Terra, em latim, escreve-se humus. É daí que deriva o nosso verbo humilhar: abaixar-se até o chão. O exemplo máximo de humildade foi dado pelo próprio Deus, que se fez barro como nós. Humildade é a virtude dos que reconhecem que são (como no verso de Camões) bichos da terra muito pequenos: esta é a nossa verdade mais radical. Por isto, Santa Teresa d’Ávila disse que a humildade é a própria verdade. Humilde é o que sabe que nada é.
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Segundo Santo Agostinho, todas as cidade do mundo poderiam se reduzir a duas cidades espirituais. Numa delas, por soberba, estão os que praticam o desprezo de Deus por exagerado amor de si mesmos. Noutra, por humildade, vivem os que desprezam a si por amor a Deus.
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O oposto da humildade é a soberba, que impele o barro humano a ser deus como Deus. É ela que joga a criatura nos braços macios de todos os pecados, buscando satisfazer as mil vontades do estômago, do sexo, da cobiça, da aparência e do conforto. A soberba é a areia de que falava Jesus, sobre a qual construímos nossa ilusória torre de Babel, que a tempestade logo arrasta. A humildade, ao contrário, é a pequena morada sobre a rocha, contra a qual nada podem a chuva, a enchente e os ventos.
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A humildade é o primeiro passo no caminho da verdade (“só sei que nada sei”, já dizia um filósofo pré-cristão), depois de aberta a porta das virtudes, sobretudo a paciência. A pessoa mais paciente será, em seguida, a mais forte — fortaleza necessária para obedecer a Jesus, quando disse que só O seguiríamos se negássemos a nós mesmos e tomássemos nossa cruz. Isto só é possível se admitirmos, pela humildade, a nossa grande miséria.
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Em nossa época, só pensamos em direitos. É preciso bastante cuidado: há muitos falsos “direitos humanos” por aí, que são mais produtos da nossa soberba que da verdade. Um bom remédio contra essa espécie de soberba jurídica é aceitarmos com humildade as pequenas humilhações do dia a dia, inclusive as justas repreensões dos nossos defeitos, voltando a conjugar com gosto o verbo obedecer. Só o humilde serve o próximo; só o humilde ouve e pratica inteiramente o que ensina o Senhor — ao contrário do soberbo, que sempre abrirá exceções na doutrina cristã para benefício próprio.
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Não basta dizer: “Serei humilde”. É a transformação mais difícil de todas, inviável sem a ajuda de Deus pela oração. A humildade é condição obrigatória da oração. Sem ela, como suplicar, louvar, agradecer, inclinados diante da majestade divina? Na verdadeira oração, os adultos se atiram nos braços de Deus como crianças indefesas. Foi o próprio Deus quem disse: “Vinde a mim as criancinhas”… Só a oração pode tornar a pessoa cada vez mais vazia de si e cheia de Deus, disponível ao próximo. Uma coisa depende da outra: a humildade e a oração se completam e alimentam mutuamente. São a mão e a luva. Pela humildade, a alma se rebaixa até o chão, consciente do barro que a envolve; quando, porém, a humildade se torna oração, eleva-se da terra ao Céu, antecipando por alguns minutos a eternidade.
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