De todo o corpo crucificado só a cabeça permanece flexível.
Os espinhos com que se teve o cuidado de cercá-lo tornam-lhe qualquer apoio impossível.
Durante três horas ela reinou e rezou, durante três horas contemplamos a face divina.
É natural que tombe por fim, pois que sua força declina.
Eis chegado o momento por nós pacientemente esperado:
Podemos encarar o Cristo, que não nos vê seu olhar imobilizado.
Ei-lo no alto da cruz, tal como capitulou, tal como será.
Por mais que façamos de agora em diante, sabemos que não mudará.
Já não ergue a cabeça, permanece na transfixão de seus pés e na extensão definitiva de seus braços.
Não mudará nunca mais essa espécie de parcialidade.
Por mais que façamos, não volverá a outro canto a cabeça para o nosso voltada.
Ele medita (sabia tudo com antecedência) e suporta os quatro pregos para me esperar.
É tão fácil perceber que não está em condições de se libertar.
A morte que há em mim, e o amor que há nele não fazem mais que uma coisa só.
Sua inocência é meu pecado — há entre nós isso de vital, como um nó.
Se ele é o meu Redentor, onde se passaria isto, caso eu não tivesse pecado?
Os pregos doeriam menos ao corpo se eu próprio fosse menos culpado.
Firme é a cruz, mas como é de chumbo, com ela, o que pelo peso e pelo desejo se liga ao meu ser,
Tudo o que há nele de pesado tacitamente é meu, como um fruto que cumpre apenas recolher.
(Trad. de Carlos Drummond de Andrade)
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