Era um padre corajoso e trabalhador. Tinha fundado, em Turim, um colégio para combater a ignorância e a miséria da juventude mais pobre, no qual, além de instrução escolar e religiosa, ensinava também os ofícios mais comuns. Queria formar cidadãos honestos e bons cristãos, que saíssem das ruas e pudessem, um dia, chegar ao Céu. Era o único caminho que desejava para os seus jovens alunos: a salvação eterna.
O padre trabalhador estava, porém, ameaçado de morte pelas lideranças liberais da época (que incluía protestantes e maçons), pois era também, além de padre, um escritor muito ativo: não abria mão de defender publicamente a Igreja Católica, através de cadernos que ele mesmo escrevia e imprimia, na gráfica que montou a duras penas. Segundo ele, os católicos mais devotos, expostos às más leituras, em breve se transformariam em pessoas ímpias e revoltadas, perfeitos anticristãos.
Era uma época difícil para o catolicismo, de aberta perseguição da Igreja da parte dos liberais (que de liberais só tinham o nome). Qual era o crime do padre? Alertava os católicos contra os inimigos da Igreja, utilizando os meios legítimos e universais da guerra cultural: com palavras e com idéias. Mas os liberais não queriam que ele fizesse isto, pois o padre tinha sucesso com seus artigos e pequenos cadernos, e buscavam impedi-lo — grandes liberais! — com a própria força física. Além de inúmeras calúnias, foram muitos os atentados que sofreu, entre 1852 e 1866, durante mais ou menos quinze anos, com armas de fogo, facas, bastões e tentativas de envenenamento.
Mas o padre não estava sozinho. Durante essas perseguições, um estranho personagem esteve sempre ao seu lado: era um grande cachorro cinzento, com aspecto de lobo, de orelhas retesadas, que surgia inesperadamente, salvava o padre de seus inimigos e, súbito, desaparecia.
Foi por volta de 1852 que começaram as ameaças. Embora aconselhado a não andar sem companhia, naquele escuro fim de tarde o padre voltava sozinho para o colégio, um tanto afastado da cidade. Ia cismado com os inimigos, quando de repente viu a seu lado um enorme cão que, de início, o assustou. Logo ficaram amigos e o cão o acompanhou até em casa. O fato se repetiria noutras vezes, sempre que o padre tinha de voltar sozinho.
Como não lhe soubesse o nome, apelidou-o de Grigio (cinzento em italiano). Era uma amizade de rua e calçada, sempre ocasional, pois Grigio nunca tinha hora para aparecer. Nalgumas vezes, a sua aparição era realmente providencial, surgindo sempre no momento preciso, como se caísse do Céu: urrava como um urso, lançando-se com dentes e patas sobre os agressores do sacerdote. Com o tempo, os alunos do colégio foram se acostumando com aquela estranha amizade do padre. Como não estranhariam um cachorro que, à diferença de seus colegas de espécie, nunca aceitava comida?
A última vez que o viu foi em 1866. O padre caminhava sozinho pela estrada, dirigindo-se à casa de um amigo que vivia fora da cidade. Como já era noite, ia ressabiado; e pensou que seria muito bom se o amigo Grigio aparecesse… Pensado e feito: naquele momento, o cão saiu do escuro e veio correndo em sua direção, acompanhando-o até o fim do percurso.
Na casa do amigo, Grigio aguardou deitado a um canto da sala, enquanto todos jantavam. Terminada a refeição, o padre lembrou-se de alimentá-lo. No entanto, ele já não estava na sala. Nem na sala, nem em lugar algum. Vasculharam todos os cômodos do sobrado, e nem um sinal do grande cachorro cinzento. Como teria saído, se todas as portas e janelas da casa estavam fechadas? Por que os cães da propriedade não deram o alarme?
Foi assim, envolta em mistério, a última vez em que viu o amigo Grigio, que tantas vezes lhe tinha salvado a vida. Curiosamente, a partir de então cessariam as perseguições ao padre, que, aliás, atendia pelo nome de João… O seu colégio para jovens se espalharia pela face da terra, junto com a congregação religiosa por ele fundada. Hoje, Padre João é um dos santos mais queridos da Igreja Católica: São João Bosco. Ou simplesmente Dom Bosco, como costuma ser tratado por seus milhões de devotos no mundo todo, inclusive no Brasil, onde foi publicada uma boa biografia do grande santo: Dom Bosco Místico, da jornalista e professora italiana Cristina Siccardi (editora Ecclesiae). O livro pode ser comprado aqui.
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