Ouvi de um padre, certa vez, uma curiosa comparação. Para mostrar a seus ouvintes como foi grande a humilhação de Deus ao encarnar-se num corpo humano, lembrou-se de um famoso conto do escritor tcheco Franz Kafka, “A metamorfose”, em que o protagonista Gregor Samsa amanhece subitamente transformado num grande inseto. E o padre perguntava aos que o ouviam: “Como a alma de cada um de vocês reagiria, se de repente se visse dentro do corpo de um inseto?”

Essa “metamorfose” deve ter sido pouco confortável ao pobre Gregor. De um modo que jamais conseguiremos avaliar, também não deve ter sido fácil a permanência de Deus no frágil corpo humano de Jesus, com todas as suas limitações e problemas, por trinta e três anos.

Para que Ele realizasse o Seu talvez maior milagre — encarnar-se num corpo decaído como o nosso —, quis valer-se da mais humilde de todas as criaturas humanas: a Virgem Maria. Era a humildade de Deus associando-se misteriosamente à humildade de Maria de Nazaré.

Mas, além da encarnação e do nascimento pobre de Deus numa manjedoura de Belém, Deus continuou humilhando-se por nós. Não bastasse a suprema humilhação de fazer-se homem, humilhou-se de modo ainda mais radical: entregou a própria vida na cruz, como prova insuperável de Seu amor pela humanidade dilacerada pelo pecado.

Parece que as humilhações divinas terminariam por aí; no entanto, continuam. Era necessário que a humildade da encarnação e do sacrifício na cruz se prolongasse até o fim dos tempos, enquanto houvesse História (“estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”, Mateus 28, 20), através da presença real de Cristo no mistério da Eucaristia.

É verdadeiramente espantosa essa terceira forma de humildade de Deus, na qual o onipotente, o onipresente e o onisciente Criador se sujeita a disfarçar-se de um pequeno pedaço de pão. Mais que isto: utiliza-se tão completamente desse pão, que o pão perde a natureza de pão e preserva do pão apenas a aparência. Jesus mesmo o garantiu, quando tomou o pão e, abençoando-o, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: “Tomai, comei; isto é o meu corpo” (Mateus 26, 26). E Deus está de fato ali — misteriosamente, milagrosamente —, naquela coisa tão insignificante como alimento material, mas carregado de infinita potência divina, de incalculável força sobrenatural.

A aparente passividade de Jesus diante do governador Pôncio Pilatos, ou diante dos soldados que o açoitaram, é de certa forma a mesma passividade das hóstias consagradas, descansando em cálices nos sacrários; ou completamente dóceis nas mãos dos padres ou dos ministros de Eucaristia à hora da comunhão. Passividade que (ao menos na aparência) não se recusa à alma em estado de pecado grave que, mesmo assim, atreve-se a entrar na fila da comunhão. Passividade aparentemente imóvel do Santíssimo Sacramento no ostensório, esperando pela vinda de fiéis (cada vez mais raros) para a Sua adoração.

Contudo, essa aparente “passividade” do Cristo eucarístico esconde a maior “atividade” imaginável no universo: uma atividade em estado puro, uma atividade eterna e espiritual, que age desde todo o sempre movida pelo Amor. E por isso — por ser movida por Amor — é a mais humilde de todas as atividades.

É uma pena que as distrações consumistas e hedonistas ocultem o verdadeiro sentido da comemoração natalina, deixando os cristãos esquecidos de que um dia, há aproximadamente 2018 anos atrás, Deus humilhou-se infinitamente por nós, vindo revestir-se de nossa carne miserável.