Um fato aconteceu, entre os homens, que rompeu a prisão do tempo. Qual fato? o chamado de Abraão (cf. Gênesis 12,1-9). Deus entra no mundo e rompe esse processo interminável que é o tempo, põe fim à narrativa humana sem sentido e chama o homem, Abraão, a Si mesmo; ele o chama para um caminho irreversível que tende a uma meta distante. É a história! O tempo humano tornou-se uma história humana. A história (lembre-se do exemplo dado na primeira parte) existe na medida em que realiza um processo, ou melhor, um progresso. Mas tal processo / progresso é possível se Deus não intervém e não se coloca como uma meta, como um fim? Foi Platão quem colocou primeiramente o problema de forma consciente, fora da revelação bíblica [cf. K. Gaiser, A metafísica da história em Platão, ed. Vita e Pensiero, Milão 1991, especialmente p. 183-185].
Como já dissemos, não há história se o caminho não tiver uma direção e, portanto, um objetivo. É por isso que há apenas uma história: a história sagrada. Ou seja: a história que é construída por iniciativa de Deus, que intervém; e na livre resposta do homem a essa iniciativa. Se Deus entra no mundo, tudo é novo: Ele rompe o fluxo sem fim (isto é, interminável e sem objetivo) do tempo. Ele chama o homem e lhe dá a capacidade de superar o tempo (veremos como), para Nele encontrar seu fundamento, sua estabilidade e sua meta.
O encontro de Deus com Abraão foi realmente o acontecimento que mudou o sentido da passagem do tempo. A história começa com Abraão. E, de fato, a história de Israel é completamente diferente da história, por exemplo, dos gregos ou romanos. A história de Israel é uma caminhada em direção ao cumprimento da promessa, em direção ao “dia do Senhor”. “Movido e levado pela esperança que Deus colocou em seu coração, Israel segue em frente rumo à salvação futura: Deus não seria seu Salvador se Israel não esperasse por ele na esperança; e para a salvação futura se encaminha, porque agora o próprio tempo, numa história real, não é mais uma maldição para o homem, mas uma promessa. A salvação tirará o homem de um processo sem fim; o processo do tempo leva Israel ao encontro de seu Salvador “(Dom Divo Barsotti).
É também esse é o “conteúdo” de nossa experiência cristã do tempo? Não propriamente. E agora chegamos ao “centro” de nossa reflexão. Em que a experiência cristã é diferente? No seguinte: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (João 1,14). A única e total novidade do cristianismo é Jesus Cristo.
Não vivemos, no tempo, a caminho de uma realização que é somente uma promessa. No tempo, podemos encontrar a eternidade; na dispersão do tempo, podemos viver a plenitude da vida. Não somos solicitados a fugir do tempo; não somos solicitados a ir além do tempo; não somos solicitados a encontrar Deus em experiências de esquecimento do tempo ou de imersão na vida cotidiana. Porque Deus está no tempo. O que significa encontrar a eternidade no tempo? Significa encontrar Jesus Cristo.
A experiência cristã não se refere a um tempo futuro; não é uma história que se dirige a um dia que virá, nem é a recuperação de um passado que não possui mais nenhuma relação com o presente. É o encontro com Deus, que ocorre e só pode ocorrer no instante em que estás vivendo (e naquilo que estás fazendo), porque “o Verbo se fez carne e veio habitar no meio de nós”. E uma vez dentro do tempo, dele não sai mais. Ele está sempre presente. A qualquer momento, podes te encontrar com Ele (no que estiveres fazendo: trabalho, estudo, divertimento, oração…). A coincidência da eternidade com o tempo é o instante presente; e o valor de cada instante é precisamente o encontro com Cristo, que deve sempre ser renovado: o instante é a tua eternidade. “Cada ato custa a eternidade de Deus” (Ir. Elizabeth da Trindade). Ou ocorre esta coincidência, ou é tempo perdido, tempo vazio, como se não fosse. Ouçamos as extraordinárias palavras de São João: “Quem possui o Filho possui a vida (…) tendes a vida eterna.” (1Jo 5,12-13) “Deste modo, uma espécie de circuito se estabelece entre o tempo histórico e eternidade criadora, e é bastante difícil definir o que a reflexão sobre a eternidade acrescenta à inteligência do tempo, e o que a experiência do tempo sugere a respeito da eternidade. A união entre os dois é íntima, a troca é contínua e um trânsito tão delicado se realiza sem que os termos opostos se confundam. Sem dúvida, a força secreta do pensamento cristão é a de poder insistir tão fortemente na inquestionável presença do tempo na eternidade e na presença imanente da eternidade no seio do próprio tempo”. [J. Guitton, Le Temps et l’Eternité chez Plotin et Saint Augustin, J. Vrin ed., Parios 1971, p. 405-406].
É o significado profundo do que disse São Paulo: “(…) quando veio a plenitude dos tempos (…)” (Gálatas 4, 4). A plenitude do tempo: o tempo que, depois e com o chamado de Abraão, deixou de ser um rio sem foz, agora obteve a sua plena medida. É a medida que Abraão já tinha visto, e da qual gostou. Jesus Cristo não veio, o Verbo não se fez carne quando o tempo alcançou a sua plena medida. Pelo contrário. O tempo atingiu a sua plena medida porque “a Palavra fez carne”. Jesus Cristo é a plenitude do tempo.
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