Eduardo Sim›es/IMS
O homem desfigurou-se — mais que isto: desfibrou-se — quando cortou seus vínculos com o mundo natural. Contudo, recuperar esses vínculos não é tarefa fácil; seguramente, uma das formas mais equivocadas de o fazer é através de ideologias como o ambientalismo, que ora banaliza a natureza como mero instrumento político, ora como projeção de fantasias mal elaboradas de intelectuais e jovens universitários cansados da economia de mercado.
Tornaram-se célebres, nos últimos cinquenta anos, alguns escritores e artistas que, aproveitando a onda da contracultura, decidiram abandonar os grandes centros e mudar-se para o campo, como já havia feito Tolstói quase um século antes. Cada país, hoje em dia, tem o seu Tolstói cansado do barulho metropolitano e vivendo longe das panelas intelectuais e literárias. No Brasil, Ariano Suassuna avisou, nos anos setenta, que se dedicaria à criação de cabras com um primo fazendeiro, no interior da Paraíba. O contista Luiz Vilela comprou um sítio, em Minas Gerais, para criar vacas leiteiras. Raduam Nassar deixou São Paulo e foi viver numa fazenda, no interior paulista.
À margem dessas decisões famosas, vez em quando se ouvia falar de pessoas simples que tiveram a coragem de largar tudo na cidade e retornaram às origens rurais dos pais e avós. Trata-se de uma atitude evidentemente excepcional. São poucos os que têm coragem de fazer esse movimento radical de “meia-volta-volver” rumo ao chão da infância, ou a um chão que nunca conheceram. Não é tarefa fácil readquirir certas virtudes, que são fundamentais para suportar a dura lida no campo: antes de tudo, fortaleza e paciência, sustentadas por um fundo permanente de esperança em dias melhores.
Custa imaginar, por exemplo, um gerente de banco deixando tudo, do bom e do pior — cobranças dos chefes, problemas com os clientes, salário mensal regular, escola boa para os filhos, velho círculo de amigos etc. — para voltar à terrinha da família, meio abandonada lá no interior, para plantar alguma coisa que o programa agrícola da TV garantiu ter mercado (e disto tentar sobreviver). Afinal, nada há de mais urbano do que um bancário, treinado para agradar clientes de segunda a sexta e almoçar fora com a família no fim de semana. Prazer e bem-estar é a sua utopia.
Será, certamente, um homem psicologicamente menos amadurecido do que o pai e o avô, quando estes tinham a sua idade. (Um homem de dezesseis anos, no início do século XX, já podia casar-se e fazer filhos; hoje, o mesmo jovem ainda está envolto em fraldas, cheirando a cueiros).
Como que uma pessoa, talhada nesses moldes, readaptará os dedos — que só sabiam roçar por teclados de computador — para o manuseio da enxada, o plantio das sementes ou das mudas, a adubação e a nutrição das plantas, a irrigação muitas vezes diária, o cuidado permanente contra as pragas? Como aceitará resignadamente os caprichos da meteorologia, que promete mandar chuva quando não precisa e seca quando não convém? Por fim, com a lavoura colhida, como distribuir os produtos no mercado?
Quem encarou uma viravolta dessa espécie, em circunstâncias nem sempre favoráveis — reaprendendo a conviver com plantas e árvores, a terra e os bichos, os vaivéns da natureza e das estações —, em geral o faz porque pensa não só em si, mas também na família. Tem um plano de futuro mais saudável para os filhos, que não gostaria de ver escravos da sociedade moderna, com seus gostos, opiniões e princípios padronizados por baixo. Sabe que as dificuldades da terrinha costumam ser, de algum modo, compensadas quando se percebe que a pequena família readquiriu algo muito precioso que parecia perdido: o convívio. Na cidade grande, cada qual cuida de seu nariz; e, quando se trata de família, não há ganho de vida maior do que poder fazer tudo em comum.
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