Graciliano Ramos, um dos grandes escritores brasileiros do século XX, é autor de obra ficcional reduzida, que inclui os romances Caetés, São Bernardo, Angústia e Vida secas, se admitirmos Vida secas na categoria de romance, e o livro de contos Insônia. Suas lembranças de prisão, Memórias do cárcere, também contêm boa literatura, e todos esses livros apresentam um estilo bastante original, marcado pela concisão e a correção gramatical, paradoxalmente misturadas a uma agressividade de linguagem tipicamente sertaneja.
Podemos divergir no julgamento dessa obra, preferirmos mais esse ou aquele romance, mas em geral a crítica e os leitores — da esquerda à direita — tem coincidido num ponto: Graciliano foi um mestre da escrita.
De suas obras, há quem goste mais de São Bernardo, que muitos julgam ser um dos maiores romances brasileiros de todos os tempos; outros preferem Angústia ou até Vida secas, obra de inegável valor em algumas de suas partes, de estilo sempre admirável, mas que funciona menos bem como conjunto. Já o contista de Insônia não está no mesmo nível do romancista.
Quantos leitores no Brasil e em Portugal, durante quase um século, não foram seduzidos pelo canto de sereia do estilo graciliânico? Canto, não — seria melhor dizer rangido. Mais que canto, o verbo do escritor alagoano range como certas portas velhas do sertão. Rangido de coisas secas, de vidas secas, de almas secas. Secura que o levaria a eliminar de seu Vidas secas aquilo que parece essencial a esse gênero ficcional: a dimensão erótica. Vangloriava-se de ter escrito esse romance sem a mínima sombra de Eros.
No fundo, essa ânsia de secura talvez não passasse de antídoto: Graciliano sabia bem que havia, amoitado nalgum canto do seu espírito, um Euclides da Cunha sempre pronto a atacar com todos os adjetivos da língua portuguesa.
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