A crítica literária de inspiração católica — e universalista em sua aplicação — parecia coisa desaparecida na literatura brasileira, e eis que surgiu, não faz muito tempo, Os fios da escrita, uma coletânea de ensaios literários do escritor e poeta goiano Adalberto de Queiroz [v. blog do autor aqui]. O livro saiu em 2020 pela editora baiana Mondrongo, de Itabuna.

O autor insere-se na tradição brasileira do ensaio jornalístico: os textos, que compõem o livro, foram escritos para o jornal goiano Opção, e pensados para o leitor que gosta de literatura, mas sem formação especializada, livres das amarras terminológicas e das firulas mentais que a crítica acadêmica, dita pós-moderna, introduziu entre nós.

A maneira de construir o texto ensaístico, adotada por Adalberto de Queiroz, pressupõe o livre jogo das ideias, conceito que atrai conceito, não por um associacionismo caótico, mas obediente a uma sutil costura de quem sabe o que quer em literatura e o que se deve esperar das grandes obras literárias. O resultado é uma escrita leve, que não cansa o leitor comum.

Adalberto de Queiroz sabe quais são os nossos bons críticos literários do passado — cita Carpeaux, Augusto Meyer, Álvaro Lins, Franklin de Oliveira, entre outros — e, com humildade, deles se aproxima com o ouvido do discípulo disposto a aprender e a levar adiante uma tradição interrompida pela especialização acadêmica, responsável por textos no mais das vezes engessados, sem a fluidez e flexibilidade nas quais eram mestres os nomes mencionados, que fizeram dos jornais e das revistas populares os seus veículos principais.

O leitor Adalberto de Queiroz tem bom faro para localizar as obras cuja leitura vale a pena. O ponto de vista autenticamente católico e universalista do autor lhe permite beber da água boa, onde quer que esteja a fonte: nos escritores católicos ou não católicos. Saber ver onde se esconde a pedra rara, seja na bateia da fé ou até no drama da descrença.

É assim que, no fluir das páginas, o leitor vai encontrar um Gustavo Corção e um Jorge Luís Borges, uma Flannery O’Connor e um Henry James, um Bernanos e um Kafka. Escreve uma série de ensaios sobre os nossos poetas católicos dos anos 30, como Jorge de Lima, Murilo Mendes, Tasso da Silveira, Augusto Frederico Schmidt, Lúcio Cardoso; mas também consegue ver o que há de precioso num Leopardi, Yeats, Whitman ou Wallace Stevens (que se tornaria católico no hospital, antes da morte).

Octavio de Faria, que não gostava de ser classificado como autor de romances católicos, preferia ser visto como um católico que escrevia obras de ficção. O mesmo poderia ser dito de Adalberto de Queiroz: é menos um crítico católico do que um católico que escreve ensaios literários. Mais do que “alguém disposto a tomar da água refrescante que salta das estantes em forma de livro” (p. 25 de Os fios da escrita), trata-se de um perquiridor empenhado em mergulhar, cada vez mais, nos mistérios da aventura humana e compartilhar com o próximo os resultados de sua mineração silenciosa.

Para não-cristãos, já uma saudável atitude filantrópica e humanitária. Para um católico, é algo que vai além: uma forma elevada de caridade, cujo fim último não se esgota neste mundo.