Morto em 1985, com quase cem anos de idade, Carl Schmitt está entre aqueles de quem provavelmente ouviremos mais falar nos próximos anos: já há um prenúncio seguro disto na impetuosa bibliografia, que cresce a cada dia, sobre sua obra, a qual, nas últimas décadas, havia sido desdenhada e exorcizada por ele ter sido suspeito de Nacional-Socialismo. Na realidade, este brilhante jurista e cientista político alemão logo foi rejeitado pelo Terceiro Reich (no qual ele também, inicialmente, viu a realização de alguns pontos de sua teoria política), depressa acusado de “anti-semitismo insuficiente e superficial” e, acima de tudo, de “corrupção católica”.

Na verdade — como estudos recentes confirmaram — o catolicismo de Schmitt não foi uma simples herança cultural determinada por seus estudos de juventude em escolas religiosas, mas foi uma fé professada e vivida até o fim. A causa do fascínio inquietante deste pensador (agora também redescoberto pela ex-esquerda, em uma busca confusa por mestres, após a queda de todos os seus pontos de referência) é que ele soube inserir, em um realismo à Maquiavel e Hobbes, temas religiosos como a culpa, a redenção, a salvação; e até questões como a do Cristo e do Anticristo. Falou-se, a propósito, de uma “teologia política”. No entanto, para quem o lê com atenção, talvez se tratasse mais de uma “política teológica”:  isto é, uma discussão das ordens humanas, levando-se em conta também a transcendência; um confronto com a história, com a consciência de que ela não é tudo e está destinada a conduzir a um Mistério que a ultrapassa.

Desde 1916, como soldado do exército da Baviera, Carl Schmitt, com 28 anos, começa a refletir sobre o Anticristo em um livro dedicado a Nordlicht (“Luz do Norte”, ou seja, “Aurora Boreal”), de Theodore Däubler. O jovem Schmitt cita, naquelas páginas, um texto que encontrou no Efrém latino, no “Sermo de fine mundi”. Vale a pena citar no original aquela passagem verdadeiramente singular, segundo a qual o Grande Enganador, que provocará a apostasia de muitos antes da vitória definitiva de Cristo, “erit omnibus subdole placidus, munera non alzipiens, personam non praeponens, amabilis omnibus, quietus universis, xenia non appetens, affabilis apparens in proximos, ita ut beatificent eum omnes homines dicentes: Justus homo hic est! “.

Ou seja: “Sutilmente, agradará a todos, não aceitará cargos, não fará distinção de pessoas, será amável ​​com todos, calmo em todas as situações, recusará dádivas, parecerá afável ​​com o próximo, para que todos o elogiem, exclamando: ‘Eis aqui um homem justo!'”.

Uma perspectiva perturbadora, esta do Efrém latino: o Anticristo sob a aparência mentirosa de um “homem do diálogo”, de um “humanista” pacífico, reservado e honesto… É precisamente este identikit do Adversário que Schmitt endossa: segundo ele, surgirá de uma sociedade como a ocidental moderna, onde “os homens são pobres diabos que sabem tudo e não acreditam em nada”; uma sociedade onde “as coisas mais importantes e últimas são secularizadas: a beleza tornou-se bom gosto, a Igreja uma organização pacifista, em vez da antiga distinção entre o bem e o mal, entre o útil e o nocivo.

Em tal cultura, aquele “diálogo” sorrateiro do Anticristo fará as pessoas acreditarem que a salvação vem por meio da seguridade social e do planejamento. Acima de tudo (e é uma das intuições mais perturbadoras do ainda jovem Smith), o Anticristo não será de forma alguma um materialista, um inimigo da religião: ao contrário, ele “proverá todas as necessidades, inclusive as espirituais.” Satisfará o anseio de transcendência do homem falando de espiritualidade, propondo uma “religião da humanidade” na qual todos estejam de acordo em tudo e na qual todas as divergências e, sobretudo, todos os dogmas sejam proibidos, pois serão vistos como o mal radical.

No início do século XX, quando escrevia sobre isto, a perspectiva de Schmitt passou quase despercebida, parecendo completamente improvável. Mas talvez seja necessário refletir sobre isso hoje, quando o que nos ameaça, no campo religioso, certamente não é mais a intolerância, mas, no mínimo, o seu contrário: aquela “tolerância” que se transforma em indiferentismo, na consideração das várias crenças como uma forma única — diferenciada apenas por razões históricas e geográficas — de adorar o mesmo e idêntico Deus; quando o “inimigo” não é mais o antigo e honesto materialismo, mas, talvez, o insidioso espiritualismo “humanitário”…

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