Pertence à filosofia moderna a responsabilidade do patrocínio, no mundo contemporâneo, da “moral laica”, isto é, ateia, que exclui qualquer relação entre ética e religião.

Também aqui o passo decisivo foi dado por Kant com o “imperativo categórico”, que vale em si e por si, e surge a priori no âmbito puramente humano como “forma” necessária do seu agir. O ato humano vem assim a ser desvinculado não só do estímulo da satisfação individual e do interesse prático, mas também de qualquer relação com Deus e com a vida futura: somente deste modo o imperativo categórico podia salvar-se, na sua universalidade, para toda a natureza racional, de todo o “querer” empírico efetivo. O ateísmo moral, implícito em Kant, torna-se exigência em Hegel, para quem a “consideração moral” pertence à individualidade empírica e desaparece com ela, porque o todo do espírito que tem a sua realização no Estado não tem outra lei senão a da sua realização.

O ateísmo moral sistemático é proclamado por outro epígono do idealismo, Stirner, com “O único”, e principalmente por Nietzsche, com a teoria do Uebermensch (super-homem), que está “além do bem e do mal” e não conhece qualquer norma, tendo por única lei a sua “vontade de potência” (Wille zu Macht), com a qual pode reduzir a polme os homens do “rebanho”. E, apesar de Nietzsche nutrir uma acentuada antipatia pelo idealismo de Hegel, o fato é que a Europa de novecentos tem estado sob o influxo combinado de ambas as ideologias: o totalitarismo hegeliano do Estado (ou teoria do “Estado ético”) e o Fuehrermythus nietzscheano, que pôde concentrar no seu arbítrio aquele totalitarismo e tentar a substituição definitiva de toda a moralidade.

Mas a conexão, afirmada pela filosofia cristã, entre ética e religião está contida na própria noção de moralidade, porque ela existe antes da mesma natureza do homem, em cuja consciência uma e outra se reúnem e estabelecem os recíprocos deveres. Como diz Troeltsch, a “ética atéia, que anula todos os valores cristãos, dá a impressão de certa prudência melancólica”, porque “com ela o mundo moral resulta muito mais difícil e obscuro”, o que já o próprio Nietzsche parece ter reconhecido.

Contra a ética dos sem Deus houve uma reação enérgica no seio do próprio idealismo, invocando não um Deus abstrato e impessoal, mas o “Pai”, de que o homem é criatura e de cuja imagem esculpida é portador, como declara expressamente H. Cohen. O mesmo professor de Marburgo observa, com razão, que, com a entrada da ideia de Deus na ética, não se modifica de modo algum o princípio da ética. E assim o perigo de uma queda da ética na religião fica excluído.

Também a ética católica reconhece que o homem pode ter “certo conhecimento” dos seus deveres sem ter o conhecimento do verdadeiro Deus. Com isto concorda também o protestante moderado E. Brunner. Mas o conhecimento “completo” dos próprios deveres e a “situação” adequada do ato humano exigem o conhecimento do fim último destes atos e do primeiro princípio desses deveres, que é Deus. Neste significado concreto do existir humano, a ação moral apresenta-se como preâmbulo e ao mesmo tempo como consequência em relação ao autêntico momento religioso: pois não há verdadeira religiosidade sem implicar no homem a obrigação moral, que por sua vez implica, para a sua explicação integral, fatores e valores (a boa ou má consciência, o remorso, o desespero do demoníaco e o heroísmo da santidade…), que exigem absolutamente o fundamento teológico.

Uma moral ateia é, portanto, uma contradictio in adiecto porque inevitavelmente — como tinha bem visto Dostoiewski (especialmente em Os demônios) e como provaram os epígonos de Nietzsche (D’Annunzio, nacional-socialismo…) — quando não se quer reconhecer Deus, tampouco se pode conservar os valores naturais do homem, mas cai-se necessariamente no infra-humano e na prática sistemática da violência privada e política.

Também a moral ateia é vítima do preconceito moderno da suficiência do homem e não aceita o paradoxo advertido já pelos melhores espíritos da civilização clássica antes de Cristo: a necessidade de o homem, para não deixar de ser tal, ser “mais que homem”, isto é, reconhecer a divindade e aceitar as suas leis. Tal paradoxo tem seu inefável desencontro no cristianismo, onde, mediante a Encarnação, Deus, para salvar o homem, se fez, como diz São Paulo, menos que Deus, e onde também a resposta “definitiva” à exigência da moral se encontra na Revelação.

(Cornelio Fabro. Deus. São Paulo, Herder, 1967, p. 78-81)