
Numa dessas eleições de melhores isso ou aquilo, pediram-me que votasse nos romances escritos no século 20 que mais me impressionaram. Entre outros, coloquei The end of the affair, de Graham Greene, cuja tradução em português era até então Crepúsculo de um romance — totalmente idiota.
Sai agora nova tradução pela Record, na cola do filme do mesmo nome, por sinal segunda versão cinematográfica do mesmo livro. Não vi o filme, só o verei se passar na TV. Mas reli o romance, que me influenciou no modo de contar uma história.
Não é uma obra-prima. O autor dá muito palpite, perde-se em pequenas obviedades. Mas a história é um achado: ele, ela e o outro.
Parece o vulgar triângulo amoroso. Mas o outro, neste caso, é mesmo um Outro. E além de ser o Outro, o grande personagem do livro é a dúvida, não da traição da amante — o que seria vulgaridade maior.
Graham Greene ficou rotulado como um dos romancistas católicos do nosso tempo. Com Evelyn Waugh, Chesterton, Claudel, Mauriac e Bernanos. Sem falar em T.S. Eliot, que foi o maior poeta do século.
Um romance católico que sempre admite a dúvida é, em si, um romance da angústia. Lembro um trecho de A Madona de cedro, do Callado, em que um velho padre, já sem fé, de repente treme diante de um milagre: vê mexer-se o Senhor morto.
Era um ladrão que retirara a imagem e se deitara sob o altar. No escuro, o padre não deu pela troca. Quando viu a imagem se mexer, um raio cortou-lhe a carne. Logo percebeu o erro, mas aquele raio que o estremeceu de alto a baixo provava que ele ainda podia ter fé.
Com Graham Greene, a dúvida é mais ampla, tem maior significado. E Fim de caso fica mesmo como um dos grandes romances do nosso tempo. O filme deve ser ruim.
(Folha de São Paulo, 28/03/2000)
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