Monsenhor Keith Newton — o prelado que dirige o Ordinariato de Nossa Senhora de Walshingham (Inglaterra), ao qual pertencem os convertidos ao catolicismo vindos da Igreja Anglicana — disse nesta semana que, embora nunca se tenha arrependido de se ter tornado católico, “a Igreja, às vezes, nos põe loucos”.

Embora não tenha esclarecido as razões para o que disse, é muito provável que tenha algo a ver com o próximo Sínodo sobre Sinodalidade. Penso que seja isto, porque era disso que ele estava falando na entrevista. Afirmou que os ex-anglicanos estão céticos em relação a esta questão, pois já viram o que este tipo de consultas traz e para que servem. “O que acontece é que as pessoas que têm a sua própria agenda, e falam mais alto que os outros, conseguem o que querem. E podemos ver isso acontecendo agora na Igreja Católica, apesar do que o Santo Padre disse quando o Sínodo começou: que não se tratava de tocar na doutrina. Percebe-se que muitas pessoas andam pensando: ‘Tudo bem, mas é sobre estas coisas que queremos falar…’. São eles uma minoria de pessoas, mas como todos os demais não se envolvem, o ponto de vista deles é que se espalha. Dizem que as pessoas estão preocupadas com estas questões, quando de fato a maioria dos católicos não está preocupada com as questões que mencionei”, diz o prelado.

Newton não é o único a mostrar-se cético — para dizer o mínimo — em relação ao Sínodo. Outro bispo de origem anglicana, D. Nazir Ali, antigo bispo anglicano de Rochester, Inglaterra, foi ainda mais direto sobre a questão. A sinodalidade”, disse ele, “não é apenas uma consulta aos fiéis. Os consultados precisam ser catequizados, talvez até evangelizados. Caso contrário, tudo o que obtemos é um reflexo da cultura que circunda as pessoas. Consultar o povo de Deus é diferente de ser pressionado por ativistas. O “sensus fidelium” não é o que os leigos e os padres pensam num determinado momento, mas a afinidade entre os bispos e cada um dos fiéis, em todo o mundo, ao longo dos séculos. O “sensus fidei” deve ser permeado daquilo que a Tradição apostólica sempre ensinou e tem articulado o pensamento da Igreja ao longo dos séculos, inclusive no presente. Nem tudo o que as pessoas desejam lhes será concedido”.

Fiquei muito impressionado com as palavras destes dois antigos bispos anglicanos, especialmente porque são muito céticos em relação aos resultados do Sínodo. Como são provenientes de uma Igreja supostamente sinodal, como a Igreja Anglicana, sabem muito bem como os resultados dessas consultas são falseados e manipulados. Nazir-Alí é muito claro: se as pessoas consultadas não forem catequizadas — e até evangelizadas, acrescenta —, apenas se obterá um conjunto de opiniões que são um reflexo do que o mundo pensa.

Neste caso, porque é que queremos consultar sobre o que o mundo pensa, se já sabemos o que o mundo pensa? Trata-se de ouvir e dialogar, ou se trata no fundo de outra coisa? O Sínodo da Sinodalidade é uma oportunidade ou uma armadilha?

O Papa tem dito, repetidamente, que a Igreja não é uma democracia; nem o dogma, nem a moral, nem a liturgia são assuntos que possam ser alterados em votações. De modo que, se é este o caso e não se vão fazer mudanças que modifiquem a moral sexual, tornem aceitável o sacerdócio feminino ou abolida a necessidade de estar em estado de graça para receber a comunhão, por que realizar uma consulta quando já se sabe, de antemão, que essas demandas irão aparecer?

Nazir Ali diz, com razão, que “nem tudo o que as pessoas desejam lhes será concedido”, e isto, como já ocorreu com o Sínodo da Amazônia e ocorrerá com o Sínodo da Alemanha, provocará raiva e frustração. Por esta razão, há quem se pergunte se tudo isto não será apenas um ensaio para o que virá a seguir: criar-se uma corrente de opinião que apresente estas exigências como algo que a maioria deseja, e que será posto em prática mais tarde, com a desculpa de que, se isso não for feito, cada vez mais pessoas abandonarão a Igreja.

Para aqueles que defendem que o tempo é maior do que o espaço, talvez o que mais importa seja desencadear o processo para que outros o completem, criando correntes de opinião tão poderosas e universais que seria impossível detê-las. Se fosse esse o objetivo, o Sínodo seria obviamente uma armadilha. Em todo o caso, não devemos nunca, absolutamente nunca, esquecer que o futuro só é conhecido por Deus; e aqueles que um dia pretenderam tudo tramar e tudo controlar neste mundo, viram no além o quanto os seus planos falharam. O tempo é superior ao espaço, mas Deus é também o Senhor do tempo.